Hospital

Estava perdido em meio ao escuro, ao fundo de tudo. Era como se eu estivesse em um poço profundo, tentando nadar para a superfície mas não conseguia. Mas aos poucos fui subindo, subindo, retornando a realidade. Comecei a ouvir sons estranhos, sons de algum aparelho. Já o havia ouvido em algum lugar antes. Parecia... Um aparelho de hospital. Então comecei a perceber a presença de alguém. Tinha uma pessoa ali, do meu lado eu acho, mas não sabia quem. Tentei abrir os olhos, mas tudo estava borrado e dolorido. Minha cabeça latejava o que dificultava ainda mais de ver. Percebi alguns borrões aqui e ali, mas quando vi um borrão louro, não tinha como confundir. S... Sc... Scarllet? Consegui balbuciar. Fechei os olhos novamente e respirei fundo. Minha cabeça doía tanto. O que... Onde...?

Os sons ainda estavam abafados e distantes, e eu tentava prestar atenção para entender o que ela dizia o que era ruim pela dor, mas eu conseguia aos poucos. Não ouvia tudo, apenas pedaços, mas minha mente ia ligando as palavras e recriando as frases. Aos poucos as coisas foram vindo em minha mente. O gelo, os patins, Jessica, as batatas, a conversa, minha mãe, a briga... A rua... O som do freio... Franzi o cenho com as memórias que já me doíam na mente. Esperei um pouco passar e com um pouco de força murmurei: Hm... Um... pouco. Não tudo... Suspirei. Fiquei um pouco em silêncio, tentando relaxar e processar as coisas. Só então que o pensamento me ocorreu. Mesmo com dor, mesmo entorpecido, consegui esboçar um pequeno sorriso um tanto maroto. Você... Scarllet... Veio aqui para me ver? Dei uma rápida e levemente dolorida risada. Arqueei as sobrancelhas. Falava tudo isso com os olhos fechados pois percebi que me deixava mais calmo e menos tonto. Curioso.

Quando Scarlett gaguejou, eu comecei a rir. Com fraqueza, esforço, mas ria. E quando ela saiu do quarto continuei ainda mais, mas aos poucos fui parando pela dor no corpo, porém um sorriso ainda permanecia em meu rosto. Depois de um tempo a ouvi retornando ao quarto fazendo uma série de perguntas. Precisei de um tempo para processar tudo e começar a responder, a voz fraca e rouca: Eu fico um pouco tonto de olhos abertos. Tudo em mim dói. Tudo. Fiz uma pausa respirando fundo. Depois de uns momentos, falei: Então... a Scott se importa comigo... Falei com o sorriso voltando aos meus lábios. Que interessante.

Eu sabia que Scarlett não era lá uma das meninas mais amorosas do mundo, e muito menos comigo, mas eu admito que me atingiu quando disse: "E motivo de eu ter vindo te ver é porque eu queria saber se o carro realmente ferrou com você". Bem, o que eu esperava da Scott? Mas mesmo assim minha expressão ficou mais dura. Depois de um tempo ela veio com médico que começou a me analisar, ainda mais vendo que eu enfim havia acordado. Foram coisas básicas que creio serem "o de sempre". Vendo se estou ouvindo bem, vendo bem o que me forçou a abrir os olhos, falando normalmente, onde estava com dores e alguns movimentos. Só abrindo os olhos e começando a me mover que percebi que havia quebrado uma perna e um pulso e os vários ralados que possuía pelo corpo. Ele pegou um espelho uma hora e pude ver como estava meu rosto. Ralado, com alguns cortes pequenos, um olho completamente roxo e inchado, e outro nem tanto. Eu estava uma droga. Ele aplicou um remédio para a dor e foi embora, olhando estranho para alguns pontos do quarto. Tentei seguir os olhos para aquela direção e só então pude ver o que Scarlett havia trazido consigo. Ursos de pelúcia, rosas, balões e doces. A única coisa que pude dizer era: Mas que porra é essa?

Revirei os olhos enquanto ela explicava cada coisa com ironia e zombando de mim. Mas quando ela jogou os pés sobre mim fora a gota d'água. Ai! Olhei-a então com raiva nos olhos. Você é louca ou o que? Meu corpo inteiro está machucado, o carro bateu em mim bem aí e eu rolei em cima dele, e você joga os pés aí em cima?! E fiquei encarando-a. Scarlett ainda me deixaria louco se continuasse assim, ou acabaria morta se me fizesse ter um surto de raiva, e eu acabaria preso novamente ou fugindo em algum canto.

Fiquei observando-a daquele modo. Aquela não era a Scarlett que eu e nem ninguém conhecia, não importava o quanto ela tentasse. Apertei os olhos, encarando-a. Pelo menos havia tirado os pés de mim. Pensei então em uma coisa, talvez não desse certo, mas eu poderia tentar. A garota que estava comigo... Ela veio para cá? A viu por aqui? Ou... Enfim, ela estava aqui? Se sim, tem alguma ideia de pra onde foi ou o que foi fazer? Pode não entender mas... Eu gostaria de saber algumas coisas.

Ninguém havia vindo. Alguém deveria ter vindo, talvez não hoje. Eileen, ela é minha irmã, ela deveria ter vindo. Respirei fundo, a voz de Scarlett percorreu meus ouvidos e serpenteou em minha mente. Alguém especial. Não, mas ela estava muito, muito ligada comigo, e qualquer movimento errado poderia ter consequências ruins. Lembra-se de quando falei de alguém ter um segredo muito grande e terrível de uma pessoa e manipulá-la? Dei uma pausa, olhando para ela. Decerto ela se lembrava daquele dia e do conselho que me dera sobre tentar descobrir algo dela. Ela é Jessica Talbot. Ela... Sabe umas... "coisas" de mim. E eu não gostaria de nada espalhado vindo daquela garota. Dela... Nada se pode esperar. Enquanto estou aqui ela pode estar fazendo alguma coisa do lado de fora desse hospital.

Ouvi o que Scarlett estava dizendo atentamente. Dei um sorriso, não de alegria, mas um tanto irritadiço. Ela poderia estar certa, mas não tinha nem ideia do que estava envolvido em tudo aquilo. As lembranças daquele último dia no apartamento em que morávamos vieram em minha mente. Dei uma risada e meu olhar se tornou um tanto sombrio. Olhei para Scarlett daquele jeito e com aquele sorriso, e sibilei: Você não tem nem ideia do que está envolvido em tudo isso. Ela tem muito em suas mãos. Nem imagina o quanto.

Balancei a cabeça negando. Não tenho nada. Eu estava começando a procurar, mas aí aconteceu essa merda. Respirei fundo. E acho que ela sabe que eu quero saber algo, e com certeza tem algo. Fiz uma pausa, um pouco longa, apenas pensando, refletindo, lembrando-me de algumas coisas. Ela deve estar comemorando que estou fora do caminho por um tempo. O bastante para ela tentar achar outros meios de esconder.

Fiquei prestando atenção em suas palavras e no fim apenas não havia uma reação certa. Um sorriso sarcástico surgiu em meu rosto. Eu posso te garantir que não estou completamente ferrado... se é que me entende. Falei. Dei um rápido riso mas então comecei a pensar em alguma coisa. Uma ideia me veio em mente. Estranha, mas poderia funcionar. Scarlett... Se eu te pedisse para procurar por coisas escondidas sobre Jessica Talbot... Você procuraria? Olhei para ela, esperando e rezando para que dissesse sim. Se não, apenas procure minha irmã e diga isso. Ela consegue achar coisas com facilidade, e é bem discreta. Mas... Duas é melhor do que uma.

Respirei fundo e pensei em qualquer coisa. E então um sorriso malicioso tomou conta de meu rosto, assim como o olhar. Sabe Scarlett... Eu sei que nosso último encontro não foi nada legal. Mas parece que pelo menos podemos remediar e esquecer isso já que até veio aqui me ver e vai me ajudar com toda essa merda. Mas espero que me perdoe, eu venho ficado estressado demais... O problema é que eu não tinha como... com quem relaxar. Foquei meus olhos nos dela, para que entendesse bem até onde eu queria chegar. Eu só preciso de... um pouco de... carinho. Continuei olhando-a, esperando pela resposta. Prometo que é a última vez.

Um sorriso se abriu em meu rosto. Era bom saber que velhos hábitos não seriam esquecidos ou morreriam, pelo menos não os bons. Quando a percebi colocando a música e começando a rebolar entendi o que ela faria. Meu Deus, acho que ninguém se iguala a essa garota. Mordi o lábio inferior enquanto a observava retirar a roupa lentamente e dançando. Eu nunca vou me esquecer do quão sexy você é.